
Peter Scazerro é pastor fundador da New Life Fellowship, em Queens, New York, um dos melhores autores a tratar do tema de discipulado, espiritualidade e liderança emocionalmente saudável; autor de 3 livros já traduzidos para o português (Uma igreja emocionalmente saudável; Espiritualidade emocionalmente saudável; e O líder emocionalmente saudável) e um mais recente publicado ano passado (Emotionally Healthy Discipleship).
Acabo de retornar de um período de encontros com um pequeno grupo de líderes cristãos trabalhando o tema sobre o que é uma liderança autêntica que segue verdadeiramente Jesus. Em algum momento, um dos participantes compartilhou um famoso texto de C. S. Lewis que Scazzero também cita em seu livro “Uma Igreja Emocionalmente Saudável”. Reproduzo a seguir um pequeno trecho para encorajá-lo:
“Os seres humanos, assim como os icebergs, têm muitas camadas abaixo da superfície.
(…) cerca de apenas 10% de um iceberg é visível na superfície. Essa é a parte da nossa vida de que temos consciência. Lembre-se, contudo, de que o Titanic afundou porque colidiu com uma parte dos 90% submersos de um iceberg. A maioria dos líderes naufraga ou vive de forma incoerente por causa de forças e motivações que estão abaixo da superfície da vida que eles nem mesmo cogitam.
Salomão disse com sabedoria: ´Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida´(Provérbios 4:23). Confiar na graça e no amor de Deus para poder olhar para dentro com profundidade pode ser assustador.
(…) Jesus disse que a verdade nos libertará (João 8:32). A honestidade exige que olhemos para toda a verdade, e eu a chamo de ´descoberta´ porque, assim como Adão e Eva, nós preferimos nos esconder da verdade e proteger a nós mesmos do que nos apresentarmos descobertos, nus, diante de Deus. Desde o começo dos tempos, esse tem sido um problema do pecado (Gênesis 3:1-19). É ´doloroso´ porque, embora a verdade acabe por nos libertar e nos aproximar de Deus, a princípio é algo que preferimos evitar.
Uma das batalhas de As crônicas de Nárnia, A viagem do peregrino da alvorada, de C. S. Lewis, retrata como é seguir Deus e olhar profunda e seriamente para o interior. Eustáquio, um menino, transforma-se em um dragão grande e feio em consequência do seu egoísmo, da sua teimosia e da sua incredulidade. Ele quer mudar e voltar a ser um menino, mas não consegue fazer isso. Por fim, o grande leão Aslan (representando Jesus) aparece para ele e o guia a uma bela nascente para se banhar. Mas, como ele é um dragão, não pode entrar na nascente.
Aslan diz a ele para se despir. Eustáquio se lembra de que pode tirar a pele como uma cobra. Ele tira uma pele sozinho, joga no chão e sente-se melhor. Então, quando vai em direção à fonte, percebe que ainda há mais uma camada dura, áspera e escamosa sobre ele. Frustrado, sentindo dor e ansiando entrar naquele belo banho, ele pergunta a si mesmo: `Quantas peles preciso despir?´.
Depois de três camadas, ele desiste, percebendo que não consegue. Aslan diz: ´Deixe que eu tire a sua pele´. Ao que Eustáquio diz:
´Tinha muito medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me livre daquilo. Por isso me deitei de costas e deixei que ele tirasse a minha pele. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me atingido o coração. E, quando começou a tirar-me a pele, senti a pior dor da minha vida. […] Nessa altura agarrou-me […] e atirou-me dentro da água. A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. […] Depois de certo tempo, o leão me tirou da água […] e com suas patas vestiu-me com uma roupa nova, esta aqui.´
C. S. Lewis descreve muito bem: Ao seguirmos nessa direção radicalmente nova, é como se as garras de Deus nos penetrassem tão profundamente que cortam até o próprio coração.
Deus muitas vezes usa a dor para nos fazer mudar. A minha experiência como pastor, trabalhando com pessoas por mais de vinte e dois anos, convenceu-me de que, a menos que haja desconforto e angústia suficientes, a maioria de nós não se entrega ao trabalho duro de olhar para o interior com seriedade e profundidade. E parece que isso se aplica especialmente aos homens e às mulheres de meia-idade. Como se diz acertadamente: ´Mudamos o nosso comportamento quando a dor de permanecer igual passa a ser maior do que a dor da mudança´.”
(SCAZZERO, Peter. Igreja emocionalmente saudável. Editora Vida, 2014, p.97-100)