Evangelização e a soberania de Deus

Há algumas semanas estamos estudando a carta de Paulo aos Efésios em nossa comunidade (mensagens estão disponíveis no canal de YouTube ou Spotify, link em nosso site: http://www.comunabatista.com).

Paulo trata de temas importantes e profundos logo no início dessa pequena carta – termos sidos eleitos, escolhidos, predestinados, adotados, bençãos espirituais, propósito, para louvor de sua glória e outros.

Indiquei para quem deseja aprender mais sobre esses temas, o livro “Evangelização e a soberania de Deus: se Deus é soberano na salvação, por que evangelizar?” (1961), escrito pelo teólogo britânico J. I. Packer (1926-2020), anglicano evangélico, foi professor de teologia histórica e sistemática no Regent College (Vancouver, Canadá), autor também do clássico “O conhecimento de Deus” (ECC).

Esse livro é fruto de uma palestra ministrada em 1959 em uma conferência da Inter-Faculty Christian Union, em Londres. Destaco a seguir alguns trechos para encorajá-lo na leitura desse pequeno-grande livro, uma leitura essencial nesse tema.

“A oração do cristão não é uma tentativa de forçar a mão de Deus, mas um humilde reconhecimento da nossa impotência e dependência. Quando nos colocamos de joelhos, é porque sabemos muito bem que não somos nós que controlamos o mundo; não temos, portanto, o poder de satisfazer as nossas necessidades pela nossa própria força; tudo de bom que desejamos para nós mesmos e para os outros deve ser solicitado das mãos de Deus, quando o obtemos, se é que o obtemos, será como um presente das mãos dele .Se isso é verdade no que se refere ao nosso pão diário (e a oração do Senhor nos ensina que é), é muito mais verdade no que diz respeito aos bens espirituais. (…) o que fazemos toda vez que oramos é confessar a soberania de Deus e a nossa impotência. O próprio fato de o cristão orar é prova de que ele crê, sim, na soberania de Deus.” (p.11-12)

“(…) seria bastante esclarecedor refletir sobre o testemunho de Charles Simeon acerca da sua conversão, por meio de João Wesley, em 20 de dezembro de 1784 (a data encontra-se registrada no Wesley´s Journal): ´Meu caro, eu entendo que você é o que chamam de arminiano; e certas pessoas me chamam de calvinista; e por isso mesmo, suponho que as pessoas esperam ver-nos prontos para brigar um com o outro. Mas, antes de eu consentir em que se dê início ao combate, com sua licença, gostaria de lhe fazer algumas perguntas (…) Diga-me, por favor: você sente que é uma criatura tão depravada, mas tão depravada que nunca teria pensado em voltar para Deus, se Deus já não tivesse posto isso em seu coração antes?´ ´É verdade – diz o veterano – é isso mesmo.´ ´E você também se sentiria totalmente perdido se tivesse que recomendar-se a Deus, baseado em alguma coisa que você pudesse fazer, e considera a salvação como algo que se deu exclusivamente pelo sangue e justiça de Cristo?´ ´Sim, exclusivamente por Cristo.´ ´Mas então, meu caro, partindo do pressuposto de que você foi inicialmente salvo por Cristo, será que ainda assim você não teria, de uma maneira ou de outra, que salvar a si mesmo por suas próprias obras?´ ´É claro que não, pois eu devo ser salvo por Cristo do princípio ao fim.´ ´Admitindo, então, que foi inicialmente convertido pela graça de Deus, você, de um modo ou de outro, deve manter-se salvo por seu próprio poder?´ ´Não.´ ´Quer dizer, então, que você deve ser sustentado a cada hora e momento por Deus, tal como uma criança nos braços de sua mãe?´ ´Sim, absolutamente.´ ´E quer dizer que toda a sua esperança está depositada na graça e na misericórdia de Deus para sustentá-lo, até que venha o seu reino celestial?´ ´Certamente, eu estaria completamente desesperado se não fosse ele.´ ´Então, meu caro, com sua permissão vou levantar novamente a minha espada, pois isso não é nada mais nada menos do que o meu Calvinismo; são as minhas teses da eleição, justificação pela fé, da perseverança final, em essência, tudo o que eu defendo, e como o defendo; portanto, se lhe parecer bem, em vez de ficar tentando descobrir termos ou expressões que sejam motivo de briga entre nós, unamo-nos cordialmente naquelas coisas em que concordamos.´” (p.13-14)

“Quando você ora pelas pessoas não convertidas, você o faz pressupondo que é no poder de Deus que elas são conduzidas à fé. Você roga para que ele faça exatamente isso, e sua confiança em pedir repousa sobre a certeza de que ele é capaz de fazer o que você pede. E, de fato, ele é: a convicção que motiva suas intercessões é a verdade do próprio Deus, escrita em seu coração pelo Espírito Santo. Na oração, portanto (e quando o cristão ora está em seu estado mais são e sábio), você sabe que é Deus quem salva os homens; você sabe que o que faz os homens se voltarem a Deus é a própria obra graciosa dele de atraí-los para junto de si; e o conteúdo de suas orações é determinado por esse conhecimento. Assim, você reconhece e confessa a soberania da graça de Deus mediante sua prática de intercessão e, da mesma maneira, pela ação de graças por sua própria conversão. Assim procedem todos os cristãos, em toda parte.” (p.14-15)

“Enquanto estivermos sobre nossos próprios pés, podemos levantar vários argumentos em torno da questão, mas quando de joelhos, estamos todos de acordo.” (p.16)

(PACKER, J. I. Evangelização e a soberania de Deus; Editora Cultura Cristã)

Depressão espiritual

Como pode um livro publicado em 1964, baseado em uma série de mensagens pregadas na Westminster Chapel em Londres no ano de 1954, continuar a ser tão atual?

Quando trata-se do ministério do pastor galês Dr. David Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) isso é possível. Como Deus usou e ainda usa seus livros a falar ao meu coração a cada leitura (e releitura), caso deste clássico – “Depressão espiritual: suas causas e cura”, Editora PES.

Tive contato pela primeira vez com essa obra por volta de 1997 nos meus tempos de seminário ainda em Londres (e tive a honra de participar de alguns cultos nessa igreja). Estou relendo essa obra e parece um novo livro, apropriado aos questionamentos dessa grande crise na saúde mental e espiritual de tantas pessoas no dia-a-dia, de jovens a adultos.

A abordagem de Lloyd-Jones é profunda e urgente (sua mensagem se dirigia naquela época a uma geração que havia enfrentado duas grandes guerras mundiais e a uma grande depressão econômica), combina seu conhecimento como médico e seu discernimento espiritual. Uma leitura essencial para nos ajudar hoje.

A seguir, alguns trechos para encorajá-lo também a descobrir essa obra.

“Ao enfrentarmos o mundo moderno, com todas as suas perturbações e turbulências, com suas dificuldades e tristezas, nós, que nos dizemos cristãos e professamos o nome de Cristo, devemos representar a nossa fé diante dos outros de tal maneira que eles digam: ´Aí está a solução. Aí está a resposta´. Num mundo em que tudo perdeu o rumo, devemos nos sobressair como homens e mulheres caracterizados por uma alegria e segurança interior inabaláveis, apesar das circunstâncias e adversidades. Creio que concordarão comigo quando digo que este é um quadro que tanto o Antigo Testamento quanto o Novo apresentam do povo de Deus. Esses homens de Deus se sobressaíram porque, quaisquer que fossem as circunstâncias e condições, eles pareciam possuir um segredo que os capacitava a viver em triunfo, sendo mais do que vencedores. Portanto, é imprescindível que examinemos o problema da depressão espiritual muito de perto” (p.25).

“O tipo de pessoa que pensa que, desde o momento em que aceitamos o Senhor Jesus Cristo, todos os nossos problemas ficam para trás e ´viveremos felizes para sempre´ certamente sofrerá de depressão espiritual algum dia. Somos levados a esta vida maravilhosa, a esta condição, pela graça de Deus. Todavia, não devemos esquecer que contra e acima de nós existe outro poder. Pertencemos ao reino de Deus, mas a Bíblia nos previne que somos confrontados por outro reino, que também é um reino espiritual, e que nos ataca e sitia a toda hora. Enfrentamos uma ´luta da fé´, e ´a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais´ (Ef. 6:12). Por isso, temos que estar preparados para a ocorrência desta condição que estamos considerando, e sua manifestação em todos os tipos de pessoas e em muitas formas diferentes” (p.55-56).

“(…) o fato de que você se sente infeliz ou perturbado não significa que não seja um cristão. Na verdade, digo mais: se você nunca teve problema em sua vida cristã, duvido seriamente que realmente seja um cristão! Existe o que se poderia chamar de falsa paz, assim como há também crença no engano. Todo o Novo Testamento, bem como a história da Igreja através dos séculos, dão testemunho eloquente do fato de que esta é uma ´batalha da fé´, e não ter qualquer perturbação em sua alma está, portanto, longe de ser um bom sinal. Na verdade, é um sério sinal de que algo está radicalmente errado, e tenho uma boa razão para dizer isso, pois desde o momento em que nos tornamos cristãos, também nos tornamos os objetos especiais da atenção do diabo. Assim como ele assediou e atacou o Senhor Jesus, assim ele assedia e ataca todo o povo de Deus. ´Considerem motivo de grande alegria´, diz Tiago, ´o fato de vocês passarem por diversas provações.´ É assim que a sua fé é provada, pois isso não só é um teste da sua fé, mas de certa forma é também uma evidência de que você tem fé. É porque pertencemos a Deus que o diabo fará tudo o que puder para nos perturbar e abater. Ele não pode nos roubar a nossa salvação, graças a Deus, mas ele pode nos tornar miseráveis. Ele pode – se formos tolos a ponto de lhe dar ouvidos – limitar seriamente nossa alegria da salvação. E é isso que ele tenta fazer constantemente – e essa, por sua vez, é a razão por que temos esse ensino nas epístolas do Novo Testamento” (p.70-71).

“O que importa acima de tudo, caso você seja um cristão, não é o que foi antes, mas o que é hoje. Isso parece ridículo? É tão óbvio que a coisa importante não é o que você foi, e sim, o que é. Torna-se muito óbvio quando colocado desta forma, mas como é difícil ver isso quando o diabo está nos atacando! O apóstolo disse que ele não era digno de ser chamado apóstolo, porque tinha perseguido a Igreja de Deus; porém, ele continua dizendo: ´Mas, pela graça de Deus, sou o que sou´. O que importa o que eu fui? ´Sou o que sou´. Coloque nisso a sua ênfase. Não fique pensando o resto da vida sobre o que você foi. A essência da posição cristã é que você deve lembrar o que é. Certamente o passado permanece com todos os seus pecados. Entretanto, diga a si mesmo: Resgatado, curado, restaurado, perdoado, quem mais pode cantar Seus louvores como eu? ´Sou o que sou´ – não importa o que tenha sido o meu passado. E o que sou? Perdoado, reconciliado com Deus pelo sangue de Seu Filho derramado na cruz. Sou um filho de Deus. Fui adotado na família de Deus, e sou herdeiro com Cristo, co-herdeiro com Ele. Estou a caminho da glória. É isso que importa – não o que eu era, não o que eu fiz. Então, se o inimigo está atacando você nesta área, faça o que o apóstolo fez. Volte-se para ele e diga: ´O que está dizendo é verdade. Eu fui tudo o que você está dizendo. No entanto, não estou interessado no que eu era, mas no que sou, e sou o que sou pela graça de Deus!” (p.91-92)

“(…) não permitamos que o futuro hipoteque o nosso presente, nem permitamos que o passado o faça.” (p.104)

“(..) na vida cristã tudo é pela graça, do começo ao fim.” (p.131)

“A fé lembra o que as Escrituras chamam de ´grandíssimas e preciosas promessas´. A fé diz: ´Não posso admitir que Aquele que me trouxe até aqui vai me abandonar neste ponto. É impossível, não estaria de acordo com o caráter de Deus´. Então a fé, recusando-se a ser controlada pelas circunstâncias, lembra-se do que sabe e em que acredita.” (p.154)

Criados para conhecer a glória de Deus

Meu parceiro de café nas últimas semanas tem sido o livro “Uma glória peculiar”, escrito por John Piper.

Piper enfatiza que a glória de Deus brilha por toda sua palavra revelada e é o Espírito de Deus quem ilumina os olhos e os corações, dando entendimento ao ensino das Escrituras que se auto-autenticam e dão certeza à mente e satisfação ao coração. Um livro para fortalecer sua fé em Deus e em Sua Palavra.

Destaco apenas um trecho logo a seguir (refletindo sobre o texto de Romanos 1:18-21) para encorajar você também à leitura desse livro e principalmente, o prazer da leitura da Palavra de Deus.

“(…) entendo que Paulo quer dizer que, por sermos todos criados à imagem de Deus, com o destino original de refletir a glória de Deus, há traços desse desígnio em nossa alma. O pecado destronou a glória de Deus como nosso tesouro e prazer supremos, mas não destruiu o molde formado por Deus que esse destronamento deixou para trás.

Fomos criados para a glória de Deus. Nossa mente é planejada para conhecer a glória de Deus, e nosso coração é planejado para amar a glória de Deus. O anseio mais profundo da alma humana é conhecer e gozar a glória de Deus. Somos criados para isso. ´Trazei meus filhos de longe e minhas filhas, das extremidades da terra, a todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para minha glória´ – diz o Senhor (Is. 43:6-7). Vê-la, gozá-la e mostrá-la – essa é a razão de nossa existência.

(…) Isso é o que Paulo pretende dizer ao declarar que todo ser humano conhece a Deus (Rm. 1:21). Há em cada coração humano um verdadeiro testemunho da realidade da glória de Deus no mundo e na Palavra. É o testemunho de um molde residual (como uma peça de quebra-cabeça é cortada para que somente uma peça especial se encaixe). O molde em nosso coração espera pelo encaixe de sua contraparte divina – a glória de Deus. É por isso que ver a glória de Deus é a cura de nossas vidas desordenadas. ´E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem´ (2 Co. 3:18). Há em cada alma um testemunho, embora obscuro, de que fomos criados para a glória de Deus.

Esse conhecimento é de tal natureza que, quando a glória de Deus rompe nossa cegueira, que é causada pelo pecado (1 Jo. 2:11) e agravada por Satanás (2 Co. 4:4), o conhecimento dessa glória é imediato, convincente e confirmado. É um conhecimento inabalável. A alma vê e conhece com a certeza inabalável de que este mundo é o mundo de Deus e esta Escritura é a Palavra de Deus.”

(John Piper in: “Uma glória peculiar – como a Bíblia se revela completamente verdadeira”, Editora Fiel, 2018, pp.271-273)