Ramos satisfeitos

Finalizei há alguns dias a releitura do livro de meu querido amigo pastor Carlos McCord, “A vida que satisfaz” (Alpha Conteúdos). Compartilhei no último post um texto desse livro e faço novamente aqui o destaque de mais um trecho para encorajá-lo a conhecer ou se aprofundar também nesse tema sobre a essência da vida cristã, baseado no texto do evangelho de João 15, as palavras de Jesus sobre permanecer na Videira.

“Uma comunidade cristã verdadeira tem mais a ver com o que é recebido de Deus do que com o quanto é recebido da comunidade. Esse conceito é o inverso da maneira pela qual fui ensinado como pastor para liderar uma igreja.

Fui ensinado que a base de medida da saúde da igreja era a atividade. Assim, o calendário da igreja que organizava muitas vezes existia para produzir satisfação suficiente para manter todos ocupados e acrescentar novos membros à igreja. Na superfície era algo nobre, mas logo abaixo estava o medo de que os insatisfeitos pudessem sair e procurar uma igreja ´melhor´ se não os agradássemos.

É difícil imaginar que ramos satisfeitos em uma maravilhosa vinha queiram pertencer a outra vinha por conta da insatisfação. Porém, no contexto da igreja moderna, não é difícil observar cristãos constantemente procurando pela melhor vinha da cidade. Esse movimento causado pela insatisfação revela algo bem diferente que o direcionamento divino a seus filhos satisfeitos para que participem de uma outra igreja. Revela uma necessidade de se alimentar de outros ramos em vez de alimentar-se da Videira.

É verdade que as pessoas serviam umas às outras com paixão nas igrejas em que tive o privilégio de liderar. Ainda assim, o que observei foram pessoas medindo constantemente a saúde da nossa igreja, como se a qualquer momento precisassem sair para salvar suas vidas cristãs. Às vezes, parecíamos mais clientes e consumidores do que ramos cheios de frutos. O que eu profundamente desejava era que as pessoas tomassem suas decisões a partir da sua satisfação e não da sua insatisfação.

Ao contrastar a minha realidade de liderança com os ensinamentos de Jesus sobre a vida na vinha, percebi imediatamente que estávamos tentando ser uma fonte de satisfação para as pessoas, ao invés de levá-las à Videira para que ela fosse a sua fonte.

Lembro-me de estar sentado em meu escritório e imaginar uma pessoa entrando pela porta da nossa igreja e perguntar: ´Se eu viesse para cá, o que vocês fariam comigo?´ Imediatamente, pensei no ´primeiro descanso´ da salvação e como poderíamos ajudá-lo a entrar nesse descanso por meio do evangelho de Cristo. ´Se você vier, falaremos a você a respeito da perfeita vida de Jesus que lhe foi dada há dois mil anos no Calvário. Contaríamos como Jesus ressuscitou da morte e como você pode ter certeza de que seus pecados estão perdoados para sempre.´

Então imaginei a mesma pessoa dizendo: ´E depois disso, o que você pretende em relação a mim?´ O ´velho eu´ teria começado uma lista de atividades e mobilização para o serviço. Mas aquele dia foi diferente. Imaginei-me dizendo a essa querida pessoa: ´Quero ensinar-lhe a entrar no ´segundo descanso´. Quero ajudá-lo a desfrutar da viva presença de Jesus na sua vida até que você fique tão satisfeito em Deus que chegue ao ponto de dar frutos da glória Dele aqui entre nós e também no mundo. Quero que descubra a satisfação divina vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Quero ajudá-lo a ser um ramo´. Ao ter esses pensamentos naquele dia, eu chorei. E choro até hoje.”

(McCORD, CarlosA vida que satisfaz. Alpha Conteúdos; pp.111-113)

A Vinha

Estou relendo nesses últimos dias o delicioso e profundo livro de meu querido amigo pastor Carlos McCord, “A vida que satisfaz” (Alpha Conteúdos). Trata sobre a essência do discipulado, baseado no texto do evangelho de João 15, as palavras de Jesus sobre permanecer na Videira na vinha do Pai. O ramo que permanece na Videira, esse dá o fruto divino da Videira. O ramo não produz, ele recebe e compartilha.

Logo na introdução ele explica que as “palavras aqui apontam para dois lugares – o Calvário e a Videira – e para uma Pessoa. Esses dois locais muito reais revelam duas perfeições de Jesus por nós e em nós. Quem vier a estes lugares não terá falta de nada em sua jornada.” (p.19). Essa frase já vale a aquisição e leitura do livro, mas compartilho a seguir mais um trecho onde ele fala sobre “a Vinha”, para te encorajar a descobrir essa obra.

“Na Videira, nenhum ramo precisa de outro para viver, mas nenhum deles pode ser sozinho a vinha que o Agricultor precisa e deseja. A alegria que um único ramo traz não se compara a alegria que uma vinha inteira pode produzir quando suas satisfações são compartilhadas.

A mesma coisa acontece na comunidade de Jesus chamada igreja. Devemos ser a comunidade unida em Jesus que escolheu não viver sem o outro. Para que isso aconteça dia a dia, precisamos permanecer no amor que Deus tem para nós em Jesus, que nos satisfaz totalmente. Um amor que diz: ´Escolho não viver sem você. Vou permanecer com você eternamente com um coração aberto.´ Esse amor eterno é a vida eterna que nos é dada em Jesus.

Lembro de dizer às minhas filhas que só estariam prontas para se casar quando não precisassem de marido para serem felizes. Talvez inconscientemente, achava que isso adiaria as coisas por um tempo. Mas depois de anos e anos de aconselhamento matrimonial, convenci-me de que a busca do casamento para a felicidade estava matando os casamentos. A necessidade pessoal de felicidade que as pessoas traziam para o casamento colocava muita pressão no relacionamento. Já vira esse filme o suficiente.

Antes que escolhessem um homem para amar por toda uma vida, queria ver minhas filhas felizes o suficiente para que não precisassem de um homem. Queria ouvi-las dizer: ´Não preciso me casar para ser feliz, mas escolho, em minha felicidade em Jesus, casar-me.´ Graças a Deus, elas se casaram felizes ao invés de se casaram para serem felizes.

Somente ramos que permanecem em Jesus são capazes de amar a partir da satisfação e não para ter satisfação. Os ramos conseguem amar porque permanecem no amor. A igreja é a comunidade de Jesus que pode sustentar seu amor, com uns amando aos outros e ao mundo. Como é triste quando isso não acontece. É triste para a igreja, para o mundo e para a glória de Deus.”

(McCORD, Carlos. A vida que satisfaz. Alpha Conteúdos; pp.110-111)

Iceberg

Peter Scazerro é pastor fundador da New Life Fellowship, em Queens, New York, um dos melhores autores a tratar do tema de discipulado, espiritualidade e liderança emocionalmente saudável; autor de 3 livros já traduzidos para o português (Uma igreja emocionalmente saudável; Espiritualidade emocionalmente saudável; e O líder emocionalmente saudável) e um mais recente publicado ano passado (Emotionally Healthy Discipleship).

Acabo de retornar de um período de encontros com um pequeno grupo de líderes cristãos trabalhando o tema sobre o que é uma liderança autêntica que segue verdadeiramente Jesus. Em algum momento, um dos participantes compartilhou um famoso texto de C. S. Lewis que Scazzero também cita em seu livro “Uma Igreja Emocionalmente Saudável”. Reproduzo a seguir um pequeno trecho para encorajá-lo:

“Os seres humanos, assim como os icebergs, têm muitas camadas abaixo da superfície.

(…) cerca de apenas 10% de um iceberg é visível na superfície. Essa é a parte da nossa vida de que temos consciência. Lembre-se, contudo, de que o Titanic afundou porque colidiu com uma parte dos 90% submersos de um iceberg. A maioria dos líderes naufraga ou vive de forma incoerente por causa de forças e motivações que estão abaixo da superfície da vida que eles nem mesmo cogitam.

Salomão disse com sabedoria: ´Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida´(Provérbios 4:23). Confiar na graça e no amor de Deus para poder olhar para dentro com profundidade pode ser assustador.

(…) Jesus disse que a verdade nos libertará (João 8:32). A honestidade exige que olhemos para toda a verdade, e eu a chamo de ´descoberta´ porque, assim como Adão e Eva, nós preferimos nos esconder da verdade e proteger a nós mesmos do que nos apresentarmos descobertos, nus, diante de Deus. Desde o começo dos tempos, esse tem sido um problema do pecado (Gênesis 3:1-19). É ´doloroso´ porque, embora a verdade acabe por nos libertar e nos aproximar de Deus, a princípio é algo que preferimos evitar.

Uma das batalhas de As crônicas de Nárnia, A viagem do peregrino da alvorada, de C. S. Lewis, retrata como é seguir Deus e olhar profunda e seriamente para o interior. Eustáquio, um menino, transforma-se em um dragão grande e feio em consequência do seu egoísmo, da sua teimosia e da sua incredulidade. Ele quer mudar e voltar a ser um menino, mas não consegue fazer isso. Por fim, o grande leão Aslan (representando Jesus) aparece para ele e o guia a uma bela nascente para se banhar. Mas, como ele é um dragão, não pode entrar na nascente.

Aslan diz a ele para se despir. Eustáquio se lembra de que pode tirar a pele como uma cobra. Ele tira uma pele sozinho, joga no chão e sente-se melhor. Então, quando vai em direção à fonte, percebe que ainda há mais uma camada dura, áspera e escamosa sobre ele. Frustrado, sentindo dor e ansiando entrar naquele belo banho, ele pergunta a si mesmo: `Quantas peles preciso despir?´.

Depois de três camadas, ele desiste, percebendo que não consegue. Aslan diz: ´Deixe que eu tire a sua pele´. Ao que Eustáquio diz:

´Tinha muito medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me livre daquilo. Por isso me deitei de costas e deixei que ele tirasse a minha pele. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me atingido o coração. E, quando começou a tirar-me a pele, senti a pior dor da minha vida. […] Nessa altura agarrou-me […] e atirou-me dentro da água. A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. […] Depois de certo tempo, o leão me tirou da água […] e com suas patas vestiu-me com uma roupa nova, esta aqui.´

C. S. Lewis descreve muito bem: Ao seguirmos nessa direção radicalmente nova, é como se as garras de Deus nos penetrassem tão profundamente que cortam até o próprio coração.

Deus muitas vezes usa a dor para nos fazer mudar. A minha experiência como pastor, trabalhando com pessoas por mais de vinte e dois anos, convenceu-me de que, a menos que haja desconforto e angústia suficientes, a maioria de nós não se entrega ao trabalho duro de olhar para o interior com seriedade e profundidade. E parece que isso se aplica especialmente aos homens e às mulheres de meia-idade. Como se diz acertadamente: ´Mudamos o nosso comportamento quando a dor de permanecer igual passa a ser maior do que a dor da mudança´.”

(SCAZZERO, Peter. Igreja emocionalmente saudável. Editora Vida, 2014, p.97-100)